quarta-feira, 14 de abril de 2010

As Parcas em Carmen Saeculare

INTRODUÇÃO
Os modelos mais emblemáticos da literatura Latina são os relatos apaixonados de um poeta que constrói o cenário literário de Roma de 35 a.C. Horácio, entretanto, não é o poeta mais excepcional. È o gênio que conserva toda a sua força: a obra de arte que fascina, comove e instiga, emociona e faz refletir, como num passo de mágica, esse caleidoscópio de paixões que configuram um verdadeiro depoimento sobre a condição humana. A partir do poema Carmen Saeculare verifica-se a importância do feminino personificada como deusas do Destino: as Parcas. No primeiro capítulo apresento a proposta do trabalho e as suas diferentes partes. Desse modo, no segundo capítulo, trataremos de expor a vida de um dos poetas mais pungente e rico da era Clássica: Horácio. Tentar-se-á propor um tímido inventário de realizações de um grande homem de Roma. O terceiro capítulo é dedicado a um registro conciso do Governo de Caesar Augustus e ao legado sócio-cultural de Horácio. O quarto capítulo apresenta o fragmento do poema Carmen Saeculare, a origem da palavra Parcae e a sua divindade. Lembremos que é Horácio que luta pela perpetuação de Roma e seu imperador Caesar Augustus inclinando-se sempre ao conhecimento da essência do ser humano.

Q. HORÁCIO FLACO: O POETA
Q. Horácio Flaco, nasceu em Veneza, a oito de dezembro do ano sessenta e cinco antes de Cristo, filho de pai liberto, possuidor de uma pequena herdade. Foi levado para Roma e educado pelos melhores mestres, dentre eles, o Gramático Orbílio. Em 45 foi a Atenas completar a cultura sob os filósofos Teomnesto e Cratipo. Em 44, após o assassínio de César, chegou a Atenas, Brutus que atraiu para a própria causa todos os jovens romanos que aí estavam estudando e também a Horácio que acompanhou na guerra com o grau de “TRIBUNUS MILITUM”. Em 42, após a derrota dos republicanos em Filipos, Horácio fugiu com todos os outros, mas não se uniu a nenhum partido. Horácio era homem de estatura baixa, tinha os olhos e cabelos escuros, e durante os últimos anos esteve com frequência adoentado e às vezes hipocondríaco. Não se casou. Amou a própria independência e por isso não se sentia à vontade no tumulto da cidade, evitou toda a incumbência oficial que pudesse obstruir a sua liberdade e por essa razão preferiu o celibato e o não matrimônio. Nos primeiros anos seguiu a teoria filosófica de Epicuro (341 – 270 a.C.), cujo principal pensamento era o de que “uma sociedade feliz deve basear-se na amizade, quer dizer, num acordo mútuo para não infligir nem sofrer injustiças, e não na “justiça”, isto é, numa constituição ideada por um legislador e imposta por sanções”. Farrington, p.13. No último período de sua vida inclinou-se ao estoicismo, o qual lhe deu a princípio apenas argumento de riso e motejo, e acabou por não adotar nenhum dos dois sistemas.
O poeta morreu em oito antes de Cristo tão imprevistamente que teve apenas tempo para declarar que deixava tudo a Augustus. Foi sepultado no Esquilino, perto do túmulo de Mecenas.

GOVERNO DE CAESAR AUGUSTUS
Pode-se chamar a idade áurea da Literatura Latina, tanto pela forma como pelo conteúdo. Idealizador da Pax Romana e do Império, Augustus foi um extraordinário político e administrador. Sem revogar as leis e instituições republicanas, concentrou todo o poder em suas mãos, inaugurando uma época de esplendor e prosperidade no mundo antigo. Caius Octavius, que se tornou, por adoção, Caius Julius Caesar Octavius e posteriormente, Caesar Augustus, nasceu em Roma em 23 de setembro de 63 a.C. Pertencia a uma das famílias mais abastadas da burguesia romana.
Uniu-se a Brutus contra Marcus Antonius, derrotou-o em Módena e exigiu o consulado (a que não tinha direito, dada sua pouca idade). Diante da recusa do Senado, marchou sobre Roma e impôs a própria investidura (19 de agosto de 43 a.C.). As campanhas orientais de Marcus Antonius serviram de pretexto para que Octavius proclamasse a traição do adversário e sua intenção de formar um reino independente de Roma. Esta declarou guerra ao Egito e Octavius foi nomeado cônsul para combater Marcus Antonius e Cleópatra, vencidos na Batalha de Accio. Depois da derrota, o território egípcio foi incorporado a Roma. Apesar de assumir o poder, Octavius não aceitou a ditadura. Temendo ser vítima da mesma sorte de Julius Caesar, abdicou solenemente de todos os poderes extraordinários (exceto o consulado) e propôs um novo regime, de compromisso - o principado - que guardava as formas tradicionais, mas correspondia no fundo a uma monarquia de fato. Na verdade, concentrou todo o poder em suas mãos, após receber do Senado, em 27 a.C., o cognome religioso de Augustus, que consagrava sua missão como divina. A partir do ano 23 a.C., renunciou também ao consulado, guardando apenas a qualidade tribunícia, que lhe foi conferida em caráter vitalício. Augustus, conservador e austero, fez um governo de ordem e hierarquia. Lutou contra a decadência dos costumes, reorganizou a administração e as forças armadas, tornando-as permanentes e fixando-as nas fronteiras. Saneou igualmente as finanças do estado. Em Roma e na Itália esforçou-se para fazer reviver as virtudes esquecidas das antigas tradições e religião. Deu privilégios aos pais de família e combateu o celibato. Construiu o foro que leva seu nome e, no campo de Marte, ergueu as primeiras termas, o Pantheon e outros templos. Vangloriou-se por ter transformado Roma na "Cidade de Mármore". Ajudado por Mecenas, favoreceu os escritores: o historiador Titus Livius, os poetas Horácio, Ovídio e Vergílio são de sua época
. Sua tentativa de conseguir um grande sucessor também fracassou, pois seu sobrinho Marcelus morreu jovem. Marcus Agrippa, cujo casamento com sua filha Julia tinha forçado, morreu em 12 a.C. Os filhos menores de Agrippa morreram em 2 e 4 da era cristã. Restava Tiberius, filho de Lívia, sua terceira mulher. Adotando-o, Augustus deu-lhe participação, cada dia mais ativa, nos negócios do estado. A partir de 13 da era cristã, Tiberius tinha poderes quase iguais aos do imperador. Quando Augustus morreu, já era o enteado quem de fato governava Roma. A obra de Augustus foi imensa, na paz como na guerra. Benfeitor das artes e das letras, exímio administrador, adorado como deus por seu povo e pelos povos submetidos, deu a Roma sua idade de ouro. Marcou de tal maneira sua época que esta ficou conhecida como século de Augustus. Faleceu em Nola, na Compania, em 19 de agosto do ano 14 d.C.

O Tributo Sócio-Cultural de Horácio
Iniciou a carreira literária como escritor de sátiras, porém os acontecimentos políticos de então e a parte que neles tomara impediram-lhe de tratá-los diretamente, por essa razão Horácio preferiu fixar-se nas questões sócio-culturais.
Na Gramática Latina de Raviza cita o personagem Horacio como:
“[...] podemos resumi-lo dizendo que era um homem conhecedor do mundo e da própria natureza e não se deixando nunca dominar pelo sentimento, soube constantemente manter aquela moderação por ele expressa na frase – Nihil admirari”. Horácio se coloca a serviço da política de Augustus divulgando os princípios da moralidade, a maneira de exaltar as virtudes acirrando as glórias de Roma e referindo-se a eterna gratidão a Roma e revivendo as grandes obras de Druso e Tibério, ambos enteados do Imperador Augustus. O poeta Horácio desenvolve nos épodos os metros líricos gregos, apresentando-se como um livre imitador de Arquíloco, porém mais tarde, já com técnica bastante desenvolvida resolveu tornar conhecida a métrica de Alceu e de Safo nas odes, principalmente na ode Carmem Saeculare. O espírito patriótico impregnado nas odes cívicas escritas por encomenda ou como agradecimento está presente no Carmem Saeculare, obra de Horácio, para ser cantada durante a realização dos Jogos Seculares de Augustus.

CARMEM SAECULARE
Hino dos Ludi Saeculares 17a.C.

Phoebe siluarumque potens Diana,
Lucidum caeli decus, o colendi
Semper et culti, date quae precamur
tempore sacro,
quo Sibyllini monuere uersus
uirgines lectas puerosque castos
dis, quibus septem placuere colles,
dicere carmen.
Alme Sol, curru nitido diem qui
Promis et celas aliusque et idem
Nasceris, possis nihil urbe Roma
Uisere maius.
Rite maturos aperire partus
Lenis, Ilithyia, tuere matres,
Siue tu Lucina probas uocari
Seu Genitalis:
Diua, producas subolem patrumque
Prosperes decreta super iugandis
Feminis prolisque nouae feraci
Lege marita,
Certus undenos deciens per annos
Orbis ut cantus referatque ludos
Ter die claro totiensque grata
Nocte frequentis.
Vosque ueraces cecinisse, Parcae,
Quod semel dictum est stabilisque rerum
Terminus seruet, bona iam peractis
Iugite fata
Fertilis frugum pecorisque Tellus
Spicea donet Cererem corona:
Nutriant fetus et aquae solubres
et Iouis aurae.
Condito mitis placidusque telo
Súplices Audi pueros, Apollo;
Siderum Regina bicornis, Audi,
Luna, puellas.
Roma si uestrum est opus Iliaeque
Litus Etruscum tenuere turmae,
Iussa pars mutare Lares et urbem
Sospite cursu,
Cui per ardentem sine fraude Troiam
Castus Aeneas patriae superstes
Liberum muniuit iter, daturus
Plura relictis:
Di, probos mores iuuentae,
Di, senectuti placidae quietem,
Romulae genti date remque prolemque
Et decus omne;
Quaeque uos bobus ueneratur albis
Clarus Anchisae Venerisque sanguis,
Impetret, bellante prior, iacentem
Lenis in hostem.
Iam mari terraque manus potentis
Medus Albanasque timet securis;
Iam mari terraque manus potentis
Medus Albanasque timet securis;
iam Scythae responsa petunt, superbi
nuper et Indi;
iam Fides et Pax et Honor Pudorque
Priscus et neglecta radire Virtus
Audet apparetque beata pleno
Copia cornu;
augur et fulgente decorus arcu
Phoebus acceptusque nouem Camenis,
qui saiutari leuat arte fessos
corporis artus,
si Palatinas uidet aequus arces,
remque Romanam Latiumque Felix
alterum in lustrum meliusque semper
prorogat aeuum;
quaeque auentinum tenet Algidumque,
quindecim Diana preces uirorum
curat et uotis puerorum amicas
applicat auris
Haec Ilouem sentire deosque cunctos
Spem bonam certamque domum reporto,
Doctus et Phoebi chorus et Dianae
Dicere laudes.


A origem da palavra: PARCAE
Nos versos de Horácio:
“Vosque ueraces cecinisse, Parcae”,
Quod semel dictum est stabilisque rerum
Terminus seruet, bona iam peractis
Iugite fata
(tradução)
E vós, ó Parcas, verdadeiras vaticinas.
Aquilo que me foi dito uma vez

Verificamos a palavra PARCAE, substantivo plural de parca, provém do verbo parere, presente pario com o significado de “gerar, dar à luz, por no mundo”. Contudo o sentido primitivo deve ter sido o de “produzir” como se expressa em Catão, De Re Rust. 89,1: “Gallinas teneras, quae primum parient, concludat”. Tradução: “Prenda as galinhas novas que puseram ovos pela primeira vez”. O significado geral de parens, -ntis, que se aplica tanto ao pai quanto à mãe, mostra que o sentido geral de perere não era “o parto através da mãe”, mas o de produzir. As Parcas eram no princípio, as divindades que produziam, provocavam o nascimento e depois o casamento e a morte. Tão grande foi a influência das Moiras sobre as Parcas, que o mito latino incorporou os três nomes gregos: Nona, Décima e Morta; ou Clotho, Lachésis e Átropos. Mulheres de aspectos severos e ligada a “Fata”, destino dos mortais. As duas primeiras que presidiam, de início, o nascimento, porque, sendo a religião romana essencialmente preventiva, a criança nascia normalmente no décimo mês, daí Décuma ou Décima, mas poderia vir a dar à luz um mês antes, neste caso teria a Nona – que assistia a parturiente e a Morta ocupava-se do desenlace da vida. Na religião Romana, as Parcae, com os nomes de Nona, Décuma e Morta, eram promotoras do nascimento, do casamento e da morte. A origem da palavra décuma que significa “a partus tempestiui tempore” – provém do tempo oportuno do parto, mas esvaziou-se com o tempo passando a patrocinar o casamento que também tem a conotação de início, nascimento. A Morta possui a mesma raiz de Moira, com influência de mors = morte. O significado está intrinsecamente ligado com as emanações da Moira que é aquela que executa o que foi predeterminado. As parcas são representadas por três estátuas denominadas: TRIA FATA, os TRÊS DESTINOS. Na obra “Dicionário Mítico-Etimológico”, de Junito de Souza Brandão, os versos de Horácio (Od.2, 16, 37-40), onde encontramos a palavra Parca como sinônimo de Moira (grego) ou Fata (latim).
“[...] mihi parua rura et”.
spiritum Graiae tenuem Camenae
Parca nom mendax dedit et malignum
Spernere uolgus

(tradução):
“[...] a Parca não enganadora concedeu-me
um pequeno domínio, a delicada inspiração
da Musa grega e o desprezo
pelo vulgo invejoso”.

A DIVINDADE
São as Parcas donas da sorte dos homens, três irmãs, filhas da Noite ou do Erebo, ou de Júpiter e de Themis, ou segundo alguns poetas, filhas da necessidade e do destino.
A obscuridade que reina sobre o nascimento mostra que elas exercem funções fatais desde a origem dos seres vivos e das coisas. As parcas são velhas como a Noite, a terra e o Céu. Elas habitam um lugar perto das Horas, nas regiões olímpicas donde dirigem a sorte dos mortais como também o movimento das esferas celestes, e a harmonia do mundo. O destino dos homens está gravado em ferro e bronze nas paredes de seu Palácio e nada poderá apagar. Imutáveis nos seus escopos, elas possuem um fio misterioso que simboliza o curso da vida. Os Gregos e Romanos renderam grandes homenagens às parcas e as invocavam ordinariamente depois de Apolo, porque com esse deus, elas penetravam o futuro. Horácio ao evocar em seu poema Carmina Saeculare as Parcae, o poeta exalta o deus magnânimo Apolo e sua irmã gêmea Diana, a fim de que proteja e prospere a sua ROMA:
“Phoebe siluarumque potens Diana,
Lucidum caeli decus, o colendi
Semper et culti, date quae precamur
tempore sacro,”

As divinas e infatigáveis fiandeiras não tinham só por tarefa o desenrolar e cortar o fio dos destinos, mas presidiam também ao nascimento dos homens e eram encarregadas de conduzir a luz e fazer sair das trevas, do tártaro os heróis que ali tinham ousado penetrar.
A proposta de investigação da obra Carmen Seaculare, de Horácio, decorreu de uma profunda inquietação sobre o poeta que supera a condição humana, valendo-se do seu amor, desnudando sua alma na ponta de sua “pena” e instigando o amor a sua terra: ROMA. É nas entranhas de sua alma que Horacio faz o seu caminho. Um caminho sem volta. Caminho que atravessa a existência, a eternidade. Uma trajetória surpreendentemente rica, desveladora, mítica pela busca da essência humana. Horacio, personagem de dimensão histórica, como nos diz Jean Bayet em sua obra “La literature latine”, nos faz perceber que viver é nos tornarmos apaixonados – uma mesura totalmente helênica, a expressão de um temperamento artístico, sensual e extremamente equilibrado. Um verdadeiro deus entre os homens.
Mozart Carvalho

Nenhum comentário:

Postar um comentário